sexta-feira, 9 de maio de 2014

E com estes termino!

O Enfermeiro
Crismei-o com esta alcunha desde que me contou aquela história (já aqui referida numa mensagem anterior) de ter arranjado maneira de vir embora a meio da comissão para frequentar o Curso de Enfermagem. Como não tenho mais dados sobre ele, eu teria que repetir aqui a história que já contei da sua deserção e passagem pela prisão do Corpo de Marinheiros e daquilo que me custa muito a acreditar, ou seja, do curso que aceitaram que ele frequentasse depois das tropelias que o levaram para a 4ª Classe de comportamento, situação nada abonatória.
O Rafael contou-me que casualmente se cruzou com ele no Rossio, há uns anos atrás, que o reconheceu e trocou algumas palavras com ele. Para quem morou toda a vida em Lisboa, coisa que ainda hoje acontece, parece estranha a falta de contacto com outros filhos da escola, especialmente aqueles que seguiram a carreira na Marinha e passaram uma grande parte da sua vida a percorrer os mesmos caminhos que ele.

O Padre
Arranjar alcunhas para todos e mais alguém era um desporto cultivado com profunda dedicação por alguns camaradas da nossa Companhia. Este filho da escola recebeu a alcunha de Padre por causa do seu modo de ser. Muito delicado no trato e com um modo de falar nada característico da região de onde provinha, margens do Dão no concelho de Tondela, ele parecia de facto um padre recém saído do seminário. Quem lhe pôs a alcunha acertou. Emigrou para a Alemanha logo que saíu da Marinha, no início do ano de 1966, e por lá continua ainda tanto quanto me é dado saber.
No ano de 2010, aquando do nosso convívio em Montemor-o-Novo, prometeu-me que vinha, enviou-me mesmo um cheque para pagamento da sua inscrição, marcou passagem de avião para ele e a mulher, mas no dia D não pôde vir. Pediu-me desculpa, eu devolvi-lhe o dinheirinho e por aí nos ficamos nos nossos contactos. No ano seguinte ainda lhe mandei a carta-convite para o convívio que realizámos na Mealhada, mas não obtive qualquer reacção da sua parte.

O Cascalho
Parece alcunha, mas não é. É mesmo o seu nome de família. Natural de Évora este filho da minha escola tinha herdado as ideias da Catarina Eufémia. Era anti-salazarista declarado e refilava contra todo o tipo de autoridade. Segundo as más línguas, foi sempre seguido com a maior atenção pela polícia política e os seus informadores (garantiram-me que também os havia entre o pessoal da CF2), o que acabou por levá-lo a cometer asneiras e a ser recambiado para a Metrópole para cumprir pena de prisão no forte de Elvas.
Entre nós era conhecido pela sua habilidade com a bola. Se bem me lembro, ele era jogador do Juventude de Évora quando assentou praça na Armada e nas aulas de educação física não havia outra disciplina para além de futebol. Todos queriam fazer parte da sua equipa, pois era meio caminho para sair a ganhar, coisa que toda a gente gosta.
A maior piada, em relação ao seu envolvimento com a política e correspondente perseguição movida pela PIDE, foi ter acabado como contínuo nas instalações dessa polícia, na cidade de Évora. Fartei-me de rir quando me contaram essa. Morreu há já bastantes anos, mas não consegui saber de que doença.

O Presunto
Mais um infeliz que morreu antes de ter tempo de gozar a vida. Por aquilo que me contaram morreu antes de chegar aos 50 anos vitimado pela doença que agora está na moda, o cancro.
Alpalhão é uma pequena vila alentejana, mas deu à minha recruta 3 filhos, sendo o Presunto o mais marreta dos três. Ser alentejano não significa ser gordinho, mas este nosso camarada era bem fornecido de carnes e de pele bem rosadinha, o que me faz supor que foi a razão por que foi baptizado com essa alcunha.
Foi meu companheiro nas duas comissões que fiz em Moçambique e o ano que passámos em Metangula aproximou-nos muito. Lembro-me do seu modo característico de falar com as palavras a atropelarem-se umas às outras, o que por vezes o obrigava a repetir o que dizia para o conseguirmos perceber.
Morava no Barreiro quando morreu, mas garantiram-me que foi sepultado em Alpalhão, sua terra natal. No ano passado, passei em Alpalhão e fui à procura do outro filho da escola que ainda lá mora. Primeiro para lhe dar um abraço e segundo para me guiar até à campa do Presunto. Ficou contente por me ver, mas quando lhe pedi para me acompanhar ao cemitério disse-me logo que não valia a pena, pois o nosso camarada tinha sido sepultado no cemitério do Lavradio, área da sua residência. Pode ser que um dia passe pelo Lavradio e tenha oportunidade de prestar-lhe a homenagem que merece.

2 comentários:

  1. E com esses terminas...
    um relatório bem escrito
    divertido com as meninas
    fim de semana no bailarico.

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  2. Meu caro Senhor TINTINAINE: O "Presunto", a quem se refere, era o João Francisco Duarte Saboeiro, Cabo nº.8495. Fez comissão comigo em Moçambique, na Companhia de fuzileiros nº.10, em 1971/1973. Faleceu em 13.07.1997.
    Bom amigo era. Paz à sua alma.

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