sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O último sargento da Companhia!

 


Resistiu até onde pôde, mas assim como foi o último ano já não valia a pena. Passou mais tempo no hospital - e no bloco operatório - que noutro lugar qualquer. Infecções sucessivas no trato urinário fizeram-no sofrer muito e a morte acaba por ser uma libertação. O corpo aguenta muito, mas o fim é sempre o mesmo, as maleitas derrotam o humano e este acaba debaixo de terra. Do pó vieste e ao pó hás-de tornar, é esse o destino que temos traçado em letras de fogo no Livro da Vida.

No meu blog principal -  https://nma-16429.blogspot.com/ - deixarei uma crónica mais alargada, aqui fica apenas a notícia para qualquer "raro" visitante que por aqui possa passar.

Descansa em paz, companheiro de muitas lutas, Albertino Veloso !!!

sábado, 3 de junho de 2023

Cada tiro cada melro!

 


Hoje realizou-se, em Loures, o funeral de mais um filho da minha escola e membro da CF2. Está acontecer tal e qual como acontece com as nozes, a casca escurece, começa a ficar enrugada, depois abre-se e deixa cair a noz no chão. O Braulio já tinha 83 anos, ou estava quase a fazê-los, portanto digamos que chegou a sua hora, foi na vez dele e de mais ninguém.

Nos primeiros meses de Marinha quase não nos cruzámos, pois a instrução era dada por pelotões e nós não pertencíamos ao mesmo. Mas depois de chegarmos a Moçambique tornámo-nos mais próximos. Quase todos os alentejanos e algarvios ficaram na caserna Nº 1 e eu na Nº 2, no entanto o Braulio, também ele algarvio, juntou-se a mim na Nº 2 e fomos camaradas de dormitório cerca de dois anos. Quase no fim da comissão eu fui destacado para o Niassa e ele ficou para trás, mas quando regressei, para prepararmos a partida para Lisboa, voltei a ocupar a minha antiga tarimba e a ser vizinho do Braulio.

O serviço de guarda que fazíamos a cada 3 dias, revezando-nos no posto de sentinela durante 24 horas, fez criar laços indestrutíveis entre camaradas. O Braulio não pertencia ao meu pelotão e no início da comissão não fazia serviços comigo, mas, a páginas tantas, para substituir algum "lesionado", veio para a minha secção e passámos a partilhar horas e horas de companhia um do outro. Ele ganhou a alcunha de «Rei do Sono», porque quando se punha a dormir não havia quem o acordasse, se o deixassem dormia 24 horas seguidas, mas nos serviços de guarda era o mais fiável de todos os camaradas, enquanto estava no posto nunca pregava olho.

E depois, havia ainda outra coisa que nunca esqueci, ele recebia, de vez em quando, encomendas enviadas pela família, onde não faltavam os figos e aguardente dos ditos, entre outras coisas mais apetitosas. Pois um Braulio nunca abria a encomenda sem me convidar para comer dois ou três figos e beber um trago daquela aguardente que tem um sabor indescritível.

O Braulio era um camaradão e um bom homem, nunca encontrei ninguém que afirmasse o contrário. Agora, recebeu a Guia de Marcha para se apresentar lá em cima, como acontecerá a cada um de nós, e só me resta desejar que descanse em paz e se houver outra vida para além da morte que a disfrute o melhor possível. A vida passa num piscar de olhos e dentro em breve lá estaremos todos juntos de novo!



sábado, 6 de maio de 2023

O Fragata!

 


Havia 3 "fragatas" na minha recruta, tal como havia também 2 "casapianos", rapazes que vinham de instituições que, ao chegar aos 18 anos os empurravam pela porta fora para dar lugar a outros. A Marinha era um destino natural para os fragatas que tinham passado a vida internados na fragata D. Fernando e Glória, fundeada no Mar da Palha, perto da Base Naval.

Os 3 camaradas que vieram fazer a recruta comigo, na Escola de Fuzileiros, foram baptizados com os nomes de Fragata (16273), Fragatinha (16451) e Fragatão (16452). Os nomes, melhor, as alcunhas, tinham a ver com a idade e o físico de cada um, além de o Fragata ter chegado 3 ou 4 dias mais cedo e agarrado logo a sua com as duas mãos. E dos 2 que chegaram a seguir, o Fragatinha era magrinho como uma espinha de carapau, enquanto que o Fragatão tinha um corpo bem musculado.

Passámos os primeiros 6 meses de Marinha juntos e seguimos depois para Moçambique incorporados na Companhia de Fuzileiros Nº 2. A meio da comissão o Fragata foi recambiado para a Metrópole por mau comportamento. Os dois restantes continuaram sempre juntos comigo, fomos para o norte de Moçambique, logo que estourou o terrorismo (como lhe chamávamos), andámos aos tiros contra a Frelimo e regressámos, ao fim de 30 meses, à Escola de Fuzileiros para frequentar o Curso de 1º Grau.

Acabado este, o Fragatinha e eu regressámos a Moçambique, ele porque estava embeiçado por uma moçambicana e eu porque ele me convenceu a acompanhá-lo para não ir sozinho. O Fragatão seguiu para a Guiné, uns meses mais tarde. Aí perdemos a companhia de um dos 3 fragatas, o outro tinha partido para o Canadá como pescador de bacalhau, assim fiquei só com um deles e não por muito tempo.

Terminada a comissão, o Valter decidiu passar à vida civil e ficar em Moçambique (ainda e sempre por causa da mesma catraia moçambicana) e bem me tentou convencer a ficar também, mas aí eu fui irredutível. Não é que eu não gostasse de Moçambique, mas não via que futuro me esperava ali. Acho que acertei na escolha, escapei de voltar como "retornado".

A partir daí cada Fragata seguiu o seu destino sem nunca de voltarem a cruzar, até que eu, depois de muitos esforços nesse sentido, os ter conseguido juntar de novo, em Montemor-o-Novo, no convívio do ano 2010. O Fragata veio do Canadá, onde se casara e ficara a residir, o Fragatinha veio de Sines, onde ficara a morar, após o seu regresso como retornado e o Fragatão veio de Albufeira, a sua terra natal, onde vivia reformado como oficial da Marinha.

Foi um reencontro animado, em que cada um despejou o saco das suas recordações e matou as saudades de muitos anos separados. O Valter continuei a vê-lo a cada convívio que eu próprio organizava, pois queria manter vivo o vínculo que criara com muitos amigos. O Domingos (era este o seu nome próprio) regressou ao Canadá com muitas promessas de voltar e participar nos convívios, promessas que nunca foram cumpridas e não sei se ainda é vivo ou já partiu para o Além. O Floriano também se ficou por Albufeira disfrutando da sua reforma de oficial da Marinha e não mais se apresentou aos convívios que eu, teimosamente, continuava a organizar a cada ano.

O Valter começou a ter problemas de saúde e acabou vitimado por um cancro do cólon, depois de vários anos a sofrer dessa doença sem se tratar convenientemente. Dizia ele que preferia ser escravo da doença que dos médicos que lhe iriam infernizar a vida para o manter na lista dos vivos.

Ontem, sucumbiu o Floriano, deixando-me aqui sozinho a pensar na vida, e na morte, e a agradecer a Deus por me ir deixando gozar a vida por mais algum tempo. Descansa em paz, Floriano, e faz boa companhia ao Valter até eu me voltar a reunir convosco!

sábado, 22 de abril de 2023

Passei por aqui!

 Só para actualizar a coisa!



Esta semana andei a tentar contactar o Elias (16454), mas sem sucesso. Ele usava o Hotmail e tivemos alguns contactos no passado, mas parece que não o usa mais. Há muita gente da nossa idade que já não tem a mínima paciência para estas coisas tecnico-modernas, querem é que as dexem em paz e sossego. Talvez seja o caso dele. De qualquer modo deixei lá o recado, pode ser que um dia lhe dê para ir lá espreitar.

Isto no caso de ser ainda vivo, pois pode dar-se o caso de já ter viajado para a outra dimensão, onde não há e.mail nem outro meio de comunicação. Com a crise de Covid-19 descontrolada que andou pelo Brasil (culpa do Bolsonaro que dizia que aquilo era uma gripezinha merreca) nunca se sabe!

sábado, 1 de abril de 2023

Notícia atrasada!

 

NMA - 16881
Na minha última publicação falei de vários camaradas que andam um pouco esquecidos e não me lembrei do Damásio, este alentejano dos olhos redondinhos que seguiu a carreira da Marinha, mas estacionou no posto de Cabo. Quase todos os filhos da nossa escola foram ao curso de sargentos e outros chegaram até a oficiais, mas ele não, arranjou um trabalhinho na Repartição que lhe agradava e por lá se deixou ficar até à reforma. Nunca se casou, vivia com uma irmã e a vida ia correndo da maneira mais sossegada que se possa imaginar.

Mas tudo tem um fim, a começar pela nossa vida que acaba sempre, sem apelo nem agravo, na morte que chega sempre de surpresa e nos leva com ela. Como não tinha notícias dele, há já bastante tempo, telefonei a outro camarada que mora na mesma zona e ouvi o que não queria. O Damâsio já faleceu em Maio do ano passado.

E não me resta outra alternativa senão riscá-lo da minha lista, uma vez que o S. Pedro o acrescentou na dele. Já está lá em cima esperando que toda a nossa Companhia se apresente na formatura, o que não demorará muito, a fila cada vez anda mais depressa. Que Deus lhe tenha reservado um bom lugar que ele não era mau rapaz. Que descanse em paz !  

sexta-feira, 31 de março de 2023

Este mês de março!

 


Levou 3 fuzileiros das minhas relações. Cada um que parte leva um pouco de nós que ficamos por cá mais uns tempos!

Isto fez-me lembrar que, há muito tempo, não tenho notícias de alguns que andam por fora do país ou ainda outros que são pouco dados a contactos constantes.

Havia dois Raimundos na Companhia 2, um de nome, Júlio Raimundo, o outro que dizia ser o nome ou alcunha do seu pai, mas que não constava do seu cartão de identidade. Há dias telefonei a cada um deles para saber da sua saúde e atenderam-me com alegria, um mais alegre que o outro, pois andava cheio de medo com problemas na próstata e disse-me que está curado, como por milagre, o outro mais triste porque sofre de um glaucoma que o tem quase cego.

Mas tenho mais de quem não sei nada, o Padre que ficou na Alemanha. o Elias no Brasil, o Fragata, no Canadá, o Tarrinha que passa a vida entre Sintra e os Estados Unidos, o Rodrigues que mora lá para os lados da Barragem do Castelo do Bode e o Manel perto das Portas de Ródão. E há mais que começam a viver em lares para idosos e para quem a vida já não tem grande valor. Eles bem podiam ligar-me a dar notícias, mas se não sentem essa necessidade ... quem sou eu para os obrigar.

Havia um alentejano meu amigo que dizia: - a gente leva os burros à fonte, mas eles é que decidem se bebem ou não!

quinta-feira, 23 de março de 2023

Era uma vez ...!

 

NMA - 8474.62

... um fuzileiro que hoje já não é mais, morreu!

Alentejano de nascença foi, com todos os seus conterrâneos, dormir para a caserna Nº 1, no Aquartelamento da Machava, quando a Companhia de Fuzileiros Nº 2 chegou a Moçambique. Acredito que não foi por acaso, eles apegam-se uns aos outros estejam onde estiverem.

Pois é e por aquilo que me lembro o Serafim era uma animação naquela caserna. Dava pela alcunha de Galguista por ter sido treinador de galgos, antes de ingressar na Briosa e só havia outro que rivalizava com ele na animação noturna, era o Mateus que dava pela alcunha de Custoidinha (nome mimado que dava à sua namorada que deixara na terra) que era algarvio e não deixava os seus créditos por mãos alheias. Eles os dois punham aquela caserna em polvorosa e justificavam as visitas frequentes do Cabo de Quarto para manter a ordem.

Tanto quanto sei, abandonou a Marinha pouco depois de termos regressado de Moçambique, na Primavera de 1965. E o seu principal emprego, senão o único, na vida civil foi como empregado da empresa de construção e reparação naval, a Lisnave. Se for verdade tudo aquilo que me contaram a este respeito, ele foi um dos mais bem sucedidos Filhos da Escola com quem convivi. Ele aprendeu bem o seu ofício e acabou numa posição cimeira, comandando e ajudando a entrar na empresa muitos fuzileiros regressados da guerra em África e necessitados de um emprego.

Depois de reformado, vivia na margem sul, Cruz de Pau, Feijó ou algo semelhante. Um café e um bagaço ou um copinho de tinto era tudo o que precisava para se sentir feliz. Só uma vez participou nos nossos convívios anuais, quando o organizei em Montemor-o-Novo. Depois de sairmos do paquete Infante D. Henrique, em Alcântara, foi a primeira e única vez que o encontrei, agora é impossível, pois repousa no cemitério da zona em que morava.

Foi um bom camarada e resta-me pedir a Deus que lhe reserve um bom lugar, lá no céu, em paga do bem que ele fez cá na Terra. Paz à sua alma !!!