Se calhar, tudo aquilo que aqui vou escrever já foi escrito no antigo blog da CF2, mas não faz mal nenhum, pois há sempre alguém que passa por cima de metade do que escrevo sem ler realmente o que está escrito.
Quando consegui ter uma lista, minimamente aceitável de todo o pessoal da CF2, não encontrei nenhum Nuno que era o nome por que eu conhecia o Marlon. Lembro-me que a alcunha de Marlon lhe foi posta por causa de uma suposta semelhança com o actor Marlon Brando, mormente no penteado de risca ao lado que ambos usavam, mas entre os amigos era tratado por Nuno e sempre julguei ser esse o seu nome. E como na lista não havia nenhum Nuno tive que virar-me para os números de matrícula e, num esforço de memória, tentar recordar qual era o número que lhe correspondia.
João Manuel Azevedo era o nome que se seguia ao número 16581. Juro que nunca ouvira tal nome. Mas não há dúvida que se tratava dele. Quando me reuni com ele na Galiza, ao fim de todos estes anos, perguntei-lhe de onde vinha o "Nuno" e nem ele me soube responder. Por pirraça ou por engano alguém lhe chamou Nuno uma vez, alguém ouviu e achou graça e foi-o repetindo até que pegou tal e qual como uma estaca de macieira em dias de inverno.
Para mim era o Nuno e vai continuar assim para sempre.
Pois, o Nuno quando desapareceu da Escola de Fuzileiros, no verão de 65, ninguém fazia a mínima ideia do que lhe tinha acontecido. Não houve um amigo mais chegado a quem ele tivesse confidenciado o que planeava fazer. Uns achavam que ele tinha dado o salto para França, outros para a Alemanha ou para os Estados Unidos ajudado por algum passador a troco de uns cobres. Aventou-se a hipótese de se ter escondido a bordo de um navio mercante e ter partido à aventura. Mas houve também quem aceitasse que o tivessem matado, envolvido sabe Deus em que rixa na noite lisboeta, e jogado nas águas turvas do rio Tejo.
É assim a porca desta vida, quando não se sabe o que aconteceu, inventa cada um o que lhe apetece. E afinal a coisa foi muito mais simples do que possa parecer. Oriundo do interior de Portugal, concelho de Vila Nova de Fozcoa, em três tempos se pôs em Chaves e num abrir e fechar de olhos estava na Galiza. Homem rude e habituado ao trabalho, ele estava certo que encontraria um emprego que lhe permitisse sustentar-se. E assim foi, o seu primeiro emprego foi também o último, nunca mais o largou.
Empregou-se numa serração de madeira e o dono da fábrica gostou dele. Gostou tanto que o deixou casar-se com a sua única filha. E com o decorrer do tempo e a morte do sogro, o Nuno, além da filha do madeireiro, herdou também o negócio de que passou a ser o único dono. Em frente à serração, do outro lado da estrada, construiu uma bruta moradia, onde planeava passar o resto dos seus dias. Mas, tal como diz o ditado, o homem põe e Deus dispõe. A sua única filha, nascida desse casamento, foi estudar, formou-se em medicina e teve que ir trabalhar para longe de casa. Para cúmulo da desgraça, a sua mulher faleceu deixando-o sozinho na tal mansão que tinha construído para toda a família.
E eis que o Nuno se vê obrigado a procurar outra companheira que encontrou na cidade ali perto e para lá se mudou de armas e bagagens. Mulher já de uma certa idade e com netos crescidos que o Nuno trata como seus, é quem prende o nosso camarada fuzileiro às terras galegas e não acredito que haja no mundo alguma coisa que o faça regressar à terra onde apenas viveu os primeiros vinte anos da sua vida.