terça-feira, 20 de abril de 2021

As alcunhas!

 Era muito difícil escapar sem uma alcunha. Por uma ou outra razão havia sempre um camarada com maior poder inventivo para "baptizar" os outros. Nomes como «Cai na merda» ou «Pilha carteiras» eram os mais feios e os seus donos não gostavam muito de os ouvir, mas havia outros mais suaves e que agradavam a quem os ouvia. Por exemplo, «Conquistador» era a alcunha de um rapaz da Chamusca que tinha a mania de engatatão e gostava de ser reconhecido como tal.


Hoje, vou falar do «Marreco» que era um Cabo Fuzileiro reconvertido que veio de outra especialidade e foi incorporado na CF2 mal terminou o Curso de Reconversão que decorreu ao mesmo tempo da minha recruta. Eu a aprender a marcar passo e manejar a Mauser e ele a aprender as teorias da guerra subversiva e fazer umas «Pistas de Lodo» para ganhar resistência, antes de ir enfrentar os turras.

Ele era marreco mesmo, tinha as costas mais arqueadas que eu já vi num homem normal. Diria que ele deve ter frequentado o ginásio e trabalhado os músculos sem o cuidado devido e, por isso, ficou com uma peitaça enorme e as costas abauladas. Gostava muito de expor o físico e mostrar a foto da namorada que tinha tatuada no peito. Só que ela já tinha dado de frosques com outro gajo qualquer e ele ficava afinado quando alguém lhe lembrava esse pormenor desagradável da sua história.

Havia vários outros filhos da sua escola que também se reconverteram em fuzileiros (e pertenciam à CF2 como ele) que já tinham recebido as divisas de 2º Sargento, mas por qualquer razão (tenho ideia que tinha recebido um castigo qualquer), ele ficou em Cabo até ao fim da comissão. Regressámos à Metrópole, em 11 de Abril de 1965, e depois de desembarcarmos, em Alcãntara, nunca mais o vi. Em 2008, quando desatei à procura dos antigos camaradas, disseram-me que ele já tinha morrido.

Como não tinha maneira de confirmar essa informação, limitei-me a tomar nota na minha lista e nos nossos vários convívios era citado na lista dos falecidos e rezávamos-lhe pela alma. Uns anos mais tarde, ao folhear a Revista da Armada, deparo-me com a notícia do seu falecimento na página da Necrologia. E lembro-me de ter acontecido o mesmo com o 2º Comandante da Companhia que aparecia como falecido numa lista da Companhia que publiquei no blog e a sua filha me enviou um mail a dizer que o pai estava vivo e de boa saúde.

Ele era o oficial mais militarista da nossa Companhia e parece que foi de propósito que se juntou ao Marreco para fazer um par de "mortos-vivos" que me vieram ensombrar a vida de organizador dos almoços anuais de convívio. Estas são histórias que não esquecem!

quinta-feira, 15 de abril de 2021

A primeira Companhia de Fuzileiros, em Moçambique!

 Em Março de 1961, começou a Guerra Colonial, em Angola. Em Setembro do mesmo ano, abriu a Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro. A ideia era fabricar fuzileiros à pressa para enviar para África e ajudar na defesa das nossas colónias. Os primeiros cursos de fuzileiros foram preenchidos com gente de outras classes, uma vez que os primeiros fuzileiros a sair da Escola de Vale de Zebro só ficariam prontos mais tarde. E os graduados dos primeiros DFE's e Companhias, por vezes, nem fuzileiros eram.

Assim aconteceu na CF2 que seguiu para Moçambique, em Outubro de 1962, em que os grumetes eram todos (ou quase) fuzileiros e o resto eram concorrentes ou seguiram mesmo na classe a que pertenciam. Os oficiais eram e de Marinha e mais 5 da Reserva Naval. Ao nível de Marinheiros, Cabos e Sargentos, havia de tudo, com uma maioria de artilheiros, com a responsabilidade das armas pesadas (metralhadoras, morteiro e bazuca), telegrafistas, sinaleiros, escriturários, manobras e carpinteiros.


Os artilheiros, por privarem mais de perto com os fuzileiros e os acompanharem nas missões a que eram obrigados, foram os escolhidos por mim para dar corpo a esta publicação.

O mais antigo de todos era o Bernardino (que podem ver na foto ao lado) que era ainda Marinheiro, mas tal como o Lúcio e o Emídio, já aguardavam a promoção a Cabo que acabou por chegar a meio da comissão.

Depois deles, havia dois 1º Grumetes que só aguardavam a promoção a Marinheiros e outros dois, mais modernos que ainda não tinham o 1º Grau e assim ficaram até ao fim da comissão que durou uns longos 30 meses.

Dos 3 mais antigos só o Lúcio é ainda vivo. O Bernardino morreu há muitos anos e o Emídio pouco antes de começar esta maldição da Covid-19. Todos os outros, tanto quanto me é dado saber, estão todos vivos. O Mourão em Coimbra, o Pereira na Cova da Piedade e o Clímaco em Peniche. Este último foi o único que provou as agruras da guerra, esteve comigo destacado no norte de Moçambique, zona do Niassa, e calcorreou muitos quilómetros de MG42 ao ombro, em perseguição dos turras da Frelimo. Felizmente, escapámos ilesos dessa aventura.


terça-feira, 6 de abril de 2021

Escapaste de boa, Mário!

 


De repente tocou o meu telemóvel. Atendi. Era o Mário. Há anos que não falava com ele e estava longe de esperar por essa chamada. Há coisas assim que nos caiem em cima, quando menos esperamos. Por sorte não eram más notícias.

O Mário é um filho da minha escola que esteve comigo na CF2 e fez apenas essa comissão, abandonando a Marinha, depois disso. Como a comissão foi feita em Moçambique e ele gostou, voltou para lá como civil. A vida não lhe correu tão bem como esperava e acabou por voltar e organizar a vida dele aqui, em Portugal.

Profissionalmente, foi bem sucedido, montou uma empresa ligada ao negócio da oftalmologia que foi de vento em popa e lhe garantiu uma vida razoável. Já no que toca à saúde, as coisas não correram tão bem, uma série de maleitas o perseguiram e os últimos anos têm sido um pesadelo. Ainda por cima, a vida familiar foi outro pesadelo, com divórcio e tudo pelo meio. Felizmente, ele tem um filho - que dá pelo mesmo nome - que o tem acompanhado sempre e para todo o lado

Há quase 10 anos que deixei de fazer o convívio anual da nossa Companhia que era a ocasião em que nos juntávamos uma vez por ano. O último foi na terra dele e sei que esteve presente, depois disso só nos temos falado pelo telefone. Hoje ligou-me para contar que, há cerca de um ano, contraiu uma pneumonia que depois degenerou numa embolia pulmonar, tudo coisas de grande gravidade, e que no fim do ano passado acabou na Covid-19. Coisa suficiente para mandar qualquer um para o outro mundo, mas ele conseguiu resistir e, sentindo-se muito melhor, telefonou-me para me informar que não chegou ainda a hora de o abater ao activo da nossa Companhia de Fuzileiros.

E logo no dia em que foi publicado que os COMBATENTES vão ficar isentos de taxas moderadoras em consultas e exames auxiliares de diagnóstico. Ainda vou aproveitar-me de alguns, disse ele!

segunda-feira, 15 de março de 2021

Eureka!

Eureka, descobri! Meio por acaso, descobri que o Arquivo Histórico da Marinha também foi digitalizado e arquivado na Torre do Tombo. Andei a dar uma volta pelos ficheiros (que estão numa desorganização total) e encontrei estas fichas com a fotos que vêem abaixo.








Trouxe apenas estas, porque me faltavam no álbum de fotos da Companhia e embora não tenham grande qualidade é melhor que nada.

Parece que também estão lá as listas de todos os recrutamentos e gostava de encontrar o meu, mas ainda o não consegui. Tenho que lá voltar e procurar mais um pouco.


sexta-feira, 12 de março de 2021

Os mais velhotes!

 


Começo por dizer que não tenho notícias do 2º Comandante, Ilharco de Moura, que na última informação que me chegou através de uma sua filha (não sei se única), estava bem de saúde e morava em Algés. Também não sei a idade dele, mas considerando que era 2º Tenente, quando partimos para Moçambique, em 1962, deveria ter, no mínimo, 28 anos, ou seja mias 10 anos que eu. Como eu já fiz 77 ele deve andar pelos 87. Os outros, com números de matrícula na Armada abaixo de 10 milhões (como dizíamos na brincadeira) são o Mar. Manobra J. Gomes, o Sargento Veloso e o Cabo Sinais J. Milheiro.

Dos 3 acima mencionados, o Gomes está no Lar da Santa Casa do Barreiro, o Veloso foi, muito recentemente, internado no Lar das Forças Armadas, em Runa, e o Milheiro morava na Praia de Mira, segundo as últimas notícias que me chegaram, já faz uns anitos.

Como todos eles seguiram a carreira militar - o Gomes é Sargento Ajudante e os outros dois chegaram a 1º Tenente - serei alertado pela «Revista da Armada» se algum destacar sem meu conhecimento, coisa que espero demore ainda muitos anos e que eu esteja cá para relatar o ocorrido. Mesmo assim, folheio com todo o cuidado a Revista, cada vez que é publicada, com receio de ver lá aparecer um desses nomes. É que a idade não perdoa, é um facto indiscutível.

Do grupo seguinte, numeração entre os 11 e 13 milhões, constam 7 nomes, como podem ver na lista acima, de quem, há algum tempo, não tenho tido notícias. Mas, se eles nunca se deram ao trabalho de contactar comigo, fui sempre eu que andei atrás deles, por aqui me fico, à espera que algum conhecido ou amigo deles me faça chegar a triste notícia do seu "destacamento".
E, por hoje, é tudo. Longa vida aos resistentes que nem o Corona Vírus conseguirá abater !!!


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Moçambique, os Fuzileiros e eu!

 


Este ano de 2021 ainda aqui não escrevi nada, de modo que é altura de o fazer para dar um sinal de que ainda não foi abandonado. Como se dizia no tempo da Guerra do Ultramar, um fuzileiro nunca deixa para trás um camarada ferido ou morto pelo inimigo. Por conseguinte, eu também não quero abandonar este blog, enquanto me restarem forças para o carregar comigo.

A lista que vêem acima menciona todas as Companhias de Fuzileiros que operaram em Moçambique. Encontrei-a num livro escrito em inglês e recortei-a, porque me interessam as datas de início e fim de comissão de cada uma delas. Eu fiz parte da CF2 e CF8 e confirmo que as datas estão correctas, muito embora a CF2 tenha ido de avião e a data mencionada se refira ao último pelotão apenas, pois o primeiro pelotão foi enviado um mês mais cedo (aproximadamente).

Na primeira comissão, fui destacado para o Niassa, de Setembro de 64 a Janeiro de 65 - quatro meses bem contados . em que tive o meu baptismo de fogo. Na segunda comissão passei metade do tempo no sul (Radionaval da Machava) e outra metade no Niassa, participando em várias operações como guarda-costas dos Destacamentos envolvidos em operações no mato. No conjunto das duas Companhias tivemos apenas um ferido ligeiro que apanhou com um estilhaço de uma mina

Foram quase cinco anos de Moçambique, na maior parte do tempo nada teve a ver com guerra, o que para um jovem entre os 18 e 24 anos é uma espécie de férias num país tropical para lembrar até morrer.