domingo, 28 de janeiro de 2024

O Garcia de Santa Comba!

 



Não conheci o Garcia de Horta (seria natural da Horta, nos Açores?), mas conheci e convivi, durante alguns anos, com o Garcia de Santa Comba de Seia, na Beira Alta. Ele era um rapaz engraçado, com aquele modo de falar à moda das Beiras, em que os "ss" caem mais para o lado dos "xx". Por essa razão, na Marinha, lhes dedicaram a alcunha de "xaitos"! O Garcia era o nosso xaito da CF2 e levava na maior todas as brincadeiras que fazíamos com ele.

Um certo dia, sem nada mais importante para fazer, chamei por ele e perguntei-lhe:

- Garcia, queres que eu te ensine a pronunciar os "ss" correctamente?
- Eu bem gostava, mas não acredito que isso seja possível.
- Porquê? sempre falei assim, a minha família e amigos falam todos assim e eu ia parecia um palerma se chegasse ao pé deles a falar de modo diferente.
- Oh, Garcia, pensa lá uma coisa, a tua família, agora, é a Marinha, em especial os 150 camaradas da Companhia 2 e ninguém fala como tu.
- Ai não fala, e então o Zé Daniel, como fala ele?
 - O Zé Daniel é a excepção que confirma a regra, por isso não conta.
- O que é que isso quer dizer, ele fala tal e qual como eu.
- Isso agora não interessa nada, pensa apenas no teu problema e em como poderemos resolvê-lo.
- Está bem!
- Ok, vou ensinar-te uma frase que tu deves repetir, pelo menos, umas cem vezes por dia, até achares que já consegues dominar a ciência de pronunciar as consoantes sibilinas.
- Sibilinas? O que quer dizer isso?
- Esquece isso, Garcia, e concentra-te no que te vou dizer. A frase que quero que repitas muitas vezes é a seguinte:

A História é uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar!

- Que quer dizer isso?
- Não te importes com o significado, só tens que repetir até conseguires que a tua língua aprenda o sítio onde deve ficar, quando tiveres que pronunciar um "S".

E o Garcia lá se separou de mim, com os trabalhos de casa para fazer. Quis o destino que algum tempo depois destas peripécias, eu fosse destacado para o norte de Moçambique, deixando o Garcia - com a missão que eu lhe tinha distribuido - na capital moçambicana. Quatro meses depois, regressei à capital e começámos a fazer as malas para regressar a Lisboa. A conversa sobre os "ss" e se ele tinha conseguido corrigir o seu modo de falar ficou esquecida no tempo.

No Ano de 2002 reuniu-se o pessoal da CF2 num convívio, em Sintra. Como é normal, a maioria dos presentes não reconhecia ninguém naquelas caras de velhos e carecas. Então aproximou-se de mim um sujeito baixinho e perguntou, sabes quem eu sou? A cara dele fazía-me lembrar alguém, mas não conseguia saber exactamente quem. E então, ele abriu a boca e disse:

A História é uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar!

Claro que os "ss" saíram, exactamente, como quarenta há anos, quando estávamos em Moçambique!