sábado, 6 de maio de 2023

O Fragata!

 


Havia 3 "fragatas" na minha recruta, tal como havia também 2 "casapianos", rapazes que vinham de instituições que, ao chegar aos 18 anos os empurravam pela porta fora para dar lugar a outros. A Marinha era um destino natural para os fragatas que tinham passado a vida internados na fragata D. Fernando e Glória, fundeada no Mar da Palha, perto da Base Naval.

Os 3 camaradas que vieram fazer a recruta comigo, na Escola de Fuzileiros, foram baptizados com os nomes de Fragata (16273), Fragatinha (16451) e Fragatão (16452). Os nomes, melhor, as alcunhas, tinham a ver com a idade e o físico de cada um, além de o Fragata ter chegado 3 ou 4 dias mais cedo e agarrado logo a sua com as duas mãos. E dos 2 que chegaram a seguir, o Fragatinha era magrinho como uma espinha de carapau, enquanto que o Fragatão tinha um corpo bem musculado.

Passámos os primeiros 6 meses de Marinha juntos e seguimos depois para Moçambique incorporados na Companhia de Fuzileiros Nº 2. A meio da comissão o Fragata foi recambiado para a Metrópole por mau comportamento. Os dois restantes continuaram sempre juntos comigo, fomos para o norte de Moçambique, logo que estourou o terrorismo (como lhe chamávamos), andámos aos tiros contra a Frelimo e regressámos, ao fim de 30 meses, à Escola de Fuzileiros para frequentar o Curso de 1º Grau.

Acabado este, o Fragatinha e eu regressámos a Moçambique, ele porque estava embeiçado por uma moçambicana e eu porque ele me convenceu a acompanhá-lo para não ir sozinho. O Fragatão seguiu para a Guiné, uns meses mais tarde. Aí perdemos a companhia de um dos 3 fragatas, o outro tinha partido para o Canadá como pescador de bacalhau, assim fiquei só com um deles e não por muito tempo.

Terminada a comissão, o Valter decidiu passar à vida civil e ficar em Moçambique (ainda e sempre por causa da mesma catraia moçambicana) e bem me tentou convencer a ficar também, mas aí eu fui irredutível. Não é que eu não gostasse de Moçambique, mas não via que futuro me esperava ali. Acho que acertei na escolha, escapei de voltar como "retornado".

A partir daí cada Fragata seguiu o seu destino sem nunca de voltarem a cruzar, até que eu, depois de muitos esforços nesse sentido, os ter conseguido juntar de novo, em Montemor-o-Novo, no convívio do ano 2010. O Fragata veio do Canadá, onde se casara e ficara a residir, o Fragatinha veio de Sines, onde ficara a morar, após o seu regresso como retornado e o Fragatão veio de Albufeira, a sua terra natal, onde vivia reformado como oficial da Marinha.

Foi um reencontro animado, em que cada um despejou o saco das suas recordações e matou as saudades de muitos anos separados. O Valter continuei a vê-lo a cada convívio que eu próprio organizava, pois queria manter vivo o vínculo que criara com muitos amigos. O Domingos (era este o seu nome próprio) regressou ao Canadá com muitas promessas de voltar e participar nos convívios, promessas que nunca foram cumpridas e não sei se ainda é vivo ou já partiu para o Além. O Floriano também se ficou por Albufeira disfrutando da sua reforma de oficial da Marinha e não mais se apresentou aos convívios que eu, teimosamente, continuava a organizar a cada ano.

O Valter começou a ter problemas de saúde e acabou vitimado por um cancro do cólon, depois de vários anos a sofrer dessa doença sem se tratar convenientemente. Dizia ele que preferia ser escravo da doença que dos médicos que lhe iriam infernizar a vida para o manter na lista dos vivos.

Ontem, sucumbiu o Floriano, deixando-me aqui sozinho a pensar na vida, e na morte, e a agradecer a Deus por me ir deixando gozar a vida por mais algum tempo. Descansa em paz, Floriano, e faz boa companhia ao Valter até eu me voltar a reunir convosco!