terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O Lousa!

 


Dono de um físico impressionante o Lousa gostava de defender os mais fracos. Uma vez, não me lembro a propósito de quê, ele veio ter comigo e disse-me: - se ele te bater avisa-me que eu dou-lhe cabo dos cornos!

Estamos em maré de Natal e, como é própria desta época festiva, trocam-se telefonemas entre os amigos que ainda se vão lembrando de nós. Há poucos minutos, ligou-me o Xabregas e depois dos cumprimentos da praxe e dos votos de Boas Festas, fui-lhe perguntando o que sabia dos camaradas mais velhos, alguns dos quais já passaram pelo 84º aniversário, e contou-me ele que o Manel Lousa já não é deste mundo. Como é costume dizer-se, foi na vez dele e deixou-nos para trás!

A bem dizer, eu só convivi com este camarada, quando fomos para Metangula, em Setembro de 1964, até aí não me lembro de nada que nos ligasse. Houve tempos em que ele, depois de ter tirado a carta de condução, fez alguns serviços como condutor, lembro-me dele num jeep a levar a Guarda aos postos mais afastados, como, por exemplo, as Transmissões, para além disso ... nada!

De qualquer modo, cumpre-me o dever de dar esta notícia aos restantes membros da nossa Companhia que vão resistindo e já não são muitos!

sábado, 21 de dezembro de 2024

Menos um - actualização!

 


Ontem, passei por Barcelos e pareceu-me mal não ir à procura de notícias do 21, era assim que os filhos da sua escola o tratavam (18221). Sem surpresa, fiquei a saber que tinha já falecido, em 2014. Não fazia ideia que já tinha passado tanto tempo desde que estivera com ele e a sua nova mulher mo hospital de Barcelos.

Na altura ia acompanhado pelo Zé Correia e pelo Salvador Barbosa, eles é que eram, realmente, os amigos dele, eu apenas servi de taxista. Em Moçambique, nunca me lembro de nos termos cruzado em serviço. Enquanto que o Artur  (Twist) e o Vitorino fizeram muitos serviços comigo, ele não, devia pertencer a outro pelotão.

Quando o meu pelotão foi para Metangula, em Setembro de 64, ele ficou para trás e depois do nosso regresso a Lourenço Marques, já a comissão estava no fim e foi tempo de fazer as malas e apanhar o Infante D. Henrique.

Depois da Marinha, na sua vida civil, ele foi emigrante no Luxemburgo e só regressou a Barcelos depois de enviuvar e ter sofrido um, ou vários, AVC que o deixou em muito mau estado. Só conseguia caminhar arrimado a um pau, com a bengala não conseguia equilibrar-se, e mal conseguia falar. A mulher com quem se casou tinha a doença dos pezinhos e deu-lhe 3 filhos todos com o mesmo mal.

Após ter ficado viúvo, teve a sorte de arranjar uma nova mulher que o ajudou a suportar a sua invalidez e lhe facilitou a vida, enquanto por cá andou. A sua filha, a mais velha dos 3, já faleceu também. Dos dois filhos, o mais novo foi o primeiro a ser transplantado e leva uma vida, digamos, normal. O mais velho também foi transplantado, mas, talvez porque a doença já tinha alcançado um estado muito avançado, não tem a mesma qualidade de vida do seu irmão.

E é assim a vida, a nossa Companhia está quase a alcançar um número de baixas igual ao dos que continuam por cá. E há uma meia dúzia deles que desapareceram do meu radar e não posso garantir que estejam ainda vivos. Para quem cá estiver desejo um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, aos outros que descansem em paz e Deus os não abandone!


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O Ruço!

 No início de 1964, foram chamados à Metrópole todos os cabos da CF2 que estavam em condições de concorrer a sargentos. A maioria, senão todos, eram fuzos concorrentes que tinham vindo de outras especialidades para mais rapidamente ascenderem na carreira militar. Nos seus antigos quadros talvez nem cabos fossem ainda, nos fuzileiros seriam sargentos todos os que terminassem o curso com aproveitamento.

Uma tal razia no pessoal fez com que o Comando Naval pedisse a Lisboa que enviasse substitutos para tomarem o lugar dos que regressaram para frequentar o curso. Como Cabos era coisa que não existia, foram enviados 9 2º Grumetes para ocupar o lugar. Os recém-promovidos a Marinheiros (todos filhos da escola de Setembro de 61) ocupariam o lugar dos Cabos até que a Companhia completasse a comissão, o que estava previsto para antes do Natal desse ano.

Os dois primeiros nomes da lista acima não faziam parte desse lote, tinham já vindo anteriormente para render dois "maus" elementos que regressaram à Metrópole para cumprir penas de prisão. Um deles, por ser voluntário, seria expulso da Marinha após cumprimento da pena. O outro, conotado com o Partido Comunista, andou por lá a amargar os seu dias, até levar baixa.

Mas, voltando aos 9 grumetes que foi o que me trouxe aqui, recebi notícias que o último da lista, Zé Correia, mais conhecido pela alcunha de Ruço, tinha falecido. Ele não morava muito longe de mim e, de vez em quando eu passava por casa dele para saber notícias. Da última vez que lá passei, encontrei a casa fechada, o que me pareceu esquisito, e dirigi-me a uma vizinha para pedir notícias. Talvez ele ou a mulher tivessem falecido e o sobrevivente fosse viver com um dos filhos (eu sabia que ele tinha dois).

Infelizmente não era o caso, a vizinha lá me foi contando o que são as tristezas desta vida, quando a gente chega a velho e não vende saúde. Um deles morrera primeiro e o outro, doente e sozinho, depressa lhe seguiu o destino. Numa questão de poucos meses, ambos morreram e a casa ficou vazia. Se não estou em erro, ele era de 1942, portanto não muito velho ainda, mas isso não quer dizer nada, a malvada quando aparece não aceita recusas.

Como se pode ver pela cor com que pintei os seus nomes, dos 9 há já 4 falecidos. Dos 5 restantes só tenho notícias do Artur Teixeira que vive na Suíça. Dos outros, havia dois que eram doentes crónicos, o Eduardo Cardoso, diabético há muitos anos, e o António Barbosa incapacitado com uma série de AVC's que o deixaram totalmente dependente de terceiros.

Os outros dois, de quem perdi o rasto e não tenho notícias, há muitos anos, um morava nos Estados Unidos, zona de Newark, e o outro em Odivelas. Não estando eles muito interessados em dar notícias, quem sou eu para obrigá-los?

E assim ficou a CF2 mais pobre com um novo elemento destacado para «as hostes celestiais»!

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O Bento!

 


O meu camarada Bento era alentejano, ouvi dizer que da aldeia de S. Bento, mas talvez isso seja confusão com o seu nome próprio. Na minha recruta era do último pelotão da segunda companhia, enquanto que eu era do segundo da primeira companhia.

Isso significa que era muito raro cruzarmos um com o outro. Nas aulas, nunca, na formatura ele ficava a 250 homens de mim, no refeitório eu ficava logo à entrada e ele na penúltima mesa, lá ao fundo, nas saídas de licença ainda menos, nunca me esbarrei com ele em lado nenhum dos que eu frequentava.

Depois partimos juntos para Moçambique. Juntos é como quem diz, pois ele foi num avião e eu fui noutro. Lá chegados ele acantonou na Caserna Nº 1, dita dos alentejanos, e eu na Nº 2 com malta mais diversificada. Também lá continuamos separados, pois como entrava de serviço um pelotão de cada vez, eu estava de folga quando ele estava no posto.

Mais tarde, acabada a guerra para mim, passei à disponibilidade, enquanto ele continuou a carreira e a participar na Guerra Colonial, até ao 25 de Abril.

Em 2002 comecei a aparecer nos convívios dos Filhos da minha Escola e lá o reencontrei. E quando comecei a organizar os convívios da Companhia 2, lá compareceu um par de vezes. Falhou muitos, pois só ia se houvesse um autocarro organizado para levar a malta, coisa que eu nunca consegui fazer.

Agora partiu para outra dimensão e nunca mais o verei. A sua mulher tinha já falecido, há uma boa meia dúzia de anos, deixando-o muito afectado, Pelo menos acabou esse sofrimento, visto que foi juntar-se a ela. Que descanse em paz, é tudo o que posso desejar-lhe agora!


quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Cada tiro, cada melro!

 


Se não for a doença será a idade a dar a machadada final em cada um dos rapazes da Companhia 2, a primeira a marchar para Moçambique para precaver a chegada do "terrorismo" que nascera, em Angola, no primeiro trimestre de 1961. Foi enviada aos poucos, por via aérea, e só em fins de Novembro de 62 ficou completa. De qualquer modo muito tiveram que esperar, pois só em Setembro de 64 se dispararam os primeiros tiros naquela colónia portuguesa. O Salazar bem lhe mudou o nome para província, mas de pouco adiantou, pois os portugueses foram mesmo os colonizadores de Moçambique, até que a Guerra Colonial pôs fim a isso. 

Na foto acima pode ver-se a primeira equipa dos «Cães de Guerra» nascida, em Moçambique, na segunda metade de 1963. Da esquerda para a direita podemos ver o Elias, o Lisboa (em dúvida), o Pencas, o Tomé, o Miguel e o Chico Veiga (mais conhecido pela alcunha de Remo que era o nome do cão que traz preso na trela).

Alguns já partiram na sua última missão, outros andam meio-desaparecidos e só o Lisboa (Quim Salema) sei onde para, pois me mantenho em contacto com ele através dos modernos meios de comunicação. Os dois da direita são os desaparecidos fisicamente, Deus os levou, e o Elias, no Brasil, o Pencas, em Albergaria e o Tomé, em Loulé, há muito tempo não me fazem chegar notícias. Se alguém ler isto e os conhecer, por favor, deixe aqui um comentário para eu me actualizar.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

O Alves de Monção!

Na imagem que aparece no cabeçalho deste blog, ele aparece destacado, à esquerda, de fato camuflado, enquanto o resto da maralha está com a farda de trabalho. Isso significa que ele estava de guarda, nesse dia, e nada mais que isso.

Não sei se ele se mudou, definitivamente, para a sua terra natal, no Minho, ou continua a andar cá e lá, entre o Lavradio e Monção. Na última vez que falei com ele disse-me que as obras na sua casa estavam quase prontas e depois contava passar ali mais tempo que no Lavradio, onde estabeleceu a sua residência, depois de se reformar da Marinha.

Mas os nossos planos, muitas vezes, são alterados por vontade de terceiros e ele tem família criada naquele sítio, filhos e talvez netos que o não deixem cumprir os seu planos à risca. E depois, há a sua mulher de quem não sei absolutamente nada. Se ela também for minhota pode puxar para este lado, mas se não for pode remar contra a maré e o Alves, camarada, amigo e filho da escola, pode ver os seu planos, completamente gorados.

Tenho tentado entrar em contacto com ele por todos os meios, mas sem sucesso. Ou mudou de número de telemóvel ou deixa-o ficar no descanso, enquanto ele anda por fora. Se alguém passar por aqui e o conheça, deixe um recado. Ele era conhecido pela alcunha de «Zeca Diabo» por causa da sua careca e bigode que o faziam parecer-se com a personagem desempenhada pelo famoso actor brasileiro Lima Duarte numa das telenovelas que passaram na nossa TV, salvo erro, Roque Santeiro.

Os filhos da escola comuns que também moravam no Barreiro, nomeadamente, o Pintado, o Bento, o Ferreiro, o Toucinho, já morreram ou vivem caladinhos no seu canto, sem passarem cartão a ninguém. A idade começa a pesar e as dificuldades da vida ajudam a que as pessoas fiquem "fora de serviço".

Gostaria muito de saber notícias dele!!!

domingo, 28 de janeiro de 2024

O Garcia de Santa Comba!

 



Não conheci o Garcia de Horta (seria natural da Horta, nos Açores?), mas conheci e convivi, durante alguns anos, com o Garcia de Santa Comba de Seia, na Beira Alta. Ele era um rapaz engraçado, com aquele modo de falar à moda das Beiras, em que os "ss" caem mais para o lado dos "xx". Por essa razão, na Marinha, lhes dedicaram a alcunha de "xaitos"! O Garcia era o nosso xaito da CF2 e levava na maior todas as brincadeiras que fazíamos com ele.

Um certo dia, sem nada mais importante para fazer, chamei por ele e perguntei-lhe:

- Garcia, queres que eu te ensine a pronunciar os "ss" correctamente?
- Eu bem gostava, mas não acredito que isso seja possível.
- Porquê? sempre falei assim, a minha família e amigos falam todos assim e eu ia parecia um palerma se chegasse ao pé deles a falar de modo diferente.
- Oh, Garcia, pensa lá uma coisa, a tua família, agora, é a Marinha, em especial os 150 camaradas da Companhia 2 e ninguém fala como tu.
- Ai não fala, e então o Zé Daniel, como fala ele?
 - O Zé Daniel é a excepção que confirma a regra, por isso não conta.
- O que é que isso quer dizer, ele fala tal e qual como eu.
- Isso agora não interessa nada, pensa apenas no teu problema e em como poderemos resolvê-lo.
- Está bem!
- Ok, vou ensinar-te uma frase que tu deves repetir, pelo menos, umas cem vezes por dia, até achares que já consegues dominar a ciência de pronunciar as consoantes sibilinas.
- Sibilinas? O que quer dizer isso?
- Esquece isso, Garcia, e concentra-te no que te vou dizer. A frase que quero que repitas muitas vezes é a seguinte:

A História é uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar!

- Que quer dizer isso?
- Não te importes com o significado, só tens que repetir até conseguires que a tua língua aprenda o sítio onde deve ficar, quando tiveres que pronunciar um "S".

E o Garcia lá se separou de mim, com os trabalhos de casa para fazer. Quis o destino que algum tempo depois destas peripécias, eu fosse destacado para o norte de Moçambique, deixando o Garcia - com a missão que eu lhe tinha distribuido - na capital moçambicana. Quatro meses depois, regressei à capital e começámos a fazer as malas para regressar a Lisboa. A conversa sobre os "ss" e se ele tinha conseguido corrigir o seu modo de falar ficou esquecida no tempo.

No Ano de 2002 reuniu-se o pessoal da CF2 num convívio, em Sintra. Como é normal, a maioria dos presentes não reconhecia ninguém naquelas caras de velhos e carecas. Então aproximou-se de mim um sujeito baixinho e perguntou, sabes quem eu sou? A cara dele fazía-me lembrar alguém, mas não conseguia saber exactamente quem. E então, ele abriu a boca e disse:

A História é uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar!

Claro que os "ss" saíram, exactamente, como quarenta há anos, quando estávamos em Moçambique!